domingo, 8 de agosto de 2010

A CAVERNA DE PLATÃO

Estive hoje no Salvador Shopping. Fui ao cinema com meu filho. Chegamos cedo e o shopping estava vazio, apenas alguns “gatos pingados”, que assim como eu e meu filho, tinham a mesma intenção — assistir a um filme. Ver o shopping daquele jeito, vazio, frio, trouxe uma sensação estranha que só mais tarde pude compreender.

Ao sair do cinema deparei-me com uma multidão e o burburinho particular de um shopping. Gente para lá e para cá, gente de todas as tribos, de mãos dadas, brigando, amando, solitárias, comendo, rindo, chorando.

Vi carinhos entre pessoas do mesmo sexo, brigas entre marido e mulher, pobres, ricos, patricinhas, putas, bebês no chão, madames e suas empregadas a tiracolo, homens com suas amantes, mulheres traindo seus homens, jovens da periferia deslocados naquele mundo de luxo e ostentação.

Vi vitrines... e mais vitrines... E anúncios de “sale” e até “liquidación” da loja “ON”. Vi sacolas sendo carregadas, caixas sendo arrastadas, crianças fazendo cena porque queriam o que não recebiam. Vi camisas Lacoste de R$ 250,00, vi relógios Oakley de R$ 9.990,00 e até “baratos” Triton de R$ 800,00. Vi ternos A|X, Armani Exchange se não conhece as iniciais meu leitor pobretão, de meros R$ 1.995,00. E até supermercado onde uma cliente deixou cair sua sacola, e junto 4 de seus preciosos iogurtes eu também vi!

Vi gente vestida como se vai para uma formatura. Vi gente vestida como se vai a um estádio de futebol. Vi gordo, vi gorda, vi magra e vi gostosa. Vi marombeiros impotentes devido às doses cavalares de hormônios de cavalo e até marombeiras eu vi. Vi até dois dessa tribo discutindo por ciúmes, com uma terceira servindo de conselheira “matrimonial”.

Mas de tudo que eu vi, o que mais me marcou foi o que não vi. Não vi, em ninguém, e nem senti, e é até difícil explicar o que não vi, foi uma sensação de “realidade”. Era como se ali fosse um sonho irreal, onde os problemas ficavam fora dali. Era como um sonho onde nós o controlamos para fazer o que nós quisermos. Ao contrário da vida lá fora onde a vida nos impõe aquilo que ela quer.

Era um sonho coletivo criado pelas forças poderosa do mercado, que nos tira qualquer força racional que ainda pudéssemos ter. Todos enfeitiçados pensando apenas em uma coisa, ter o que não se tem. Ainda que absolutamente e irremediavelmente desnecessária.

Ah... E o sentimento poderoso de frustração! Que nos esmaga e nos transforma em um ser menor, por não poder ter aquilo que desejamos ter. Diminuindo-nos de tamanho e transformando-nos em ratazanas temendo ser esmagados pelos poderosos e suas sacolas. Que força poderosa.

Eu? Escolho a realidade. Da miséria, das guerras, do frio, do amor e do trabalho da 2ª feira. O meu mundo eu quero real, palpável. Mesmo com dor e até sofrimento. Pois antes a dor e sofrimento real, do que a dor e o sofrimento de sonhos de onde muitos não querem acordar,

Eu? Prefiro tentar transformar meu dia de cada dia, em um mundo melhor de se viver — real e não imaginário.

Um comentário:

  1. As pessoas e as suas fugas psicológicas.

    O título se refere ao Mito da Caverna de Platão?
    Você tem a impressão que o homem que conseguiu sair da caverna, voltar e foi morto pelos ex-companheiros é em verdade um símbolo de Platão para se referir ao que aconteceu com o próprio Sócrates?

    Mas voltando ao seu texto, finalizo com uma frase de Diógenes Laérico sobre o mesmo Sócrates:
    "Muitas vezes, observando a quantidade de objetos à venda, dizia a si mesmo: Quantas coisas me são desnecessárias!"

    Abraços!

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